sábado, 14 de fevereiro de 2015

TCE julga irregular concessão para vistoria veicular em Rancharia

Os Conselheiros da Segunda Câmara do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), reunidos durante sessão ordinária às 11h00, emitiram juízo pela irregularidade da concorrência e do subsequente contrato de concessão real de uso gratuito, por 50 (cinquenta) anos, de um terreno da Prefeitura de Rancharia, para a exploração de serviço de vistoria veicular e comércio de peças de veículos automotores.

O voto, da lavra do Auditor Substituto de Conselheiro Márcio Martins de Camargo, apontou a existência de falhas graves o suficiente para comprometer os demonstrativos em análise, destacadamente quanto afronta ao disposto na Lei Federal, resoluções e normativas vigentes dos órgãos reguladores do setor.
“Ocorre que a lei local não está em harmonia com a norma editada pela autoridade federal competente para regular a matéria”, citou o relator. “Ainda pior do que isso é a omissão da Prefeitura, sem qualquer justificativa, de exercer o seu poder dever de fiscalizar o cumprimento dos termos da concessão”.
Ao proferir juízo pela irregularidade, o relator aplicou multa ao responsável legal, o então Prefeito à época, no valor correspondente a 170 Ufesp´s. O TCE concedeu ao atual Prefeito o prazo de 60 dias, apresentar ao Tribunal cópia do ato de instauração da comissão de sindicância, devidamente publicado.
Leia a integra do voto
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO GABINETE DO CONSELHEIRO ROBSON MARINHO 1 SUBSTITUTO DE CONSELHEIRO MÁRCIO MARTINS DE CAMARGO Segunda Câmara Sessão: 10/2/2015 94 TC-000128/005/12 Contratante: Prefeitura Municipal de Rancharia. Contratada: Maria Silvana Aleixo de Souza – ME. Autoridade(s) Responsável(is) pela Abertura do Certame Licitatório, pela Homologação e que firmou(aram) o(s) Instrumento(s): Alberto César Centeio de Araújo (Prefeito). Objeto: Concessão de direito real de uso gratuito de 01 terreno de propriedade do Município de Rancharia, destinado a empresa do ramo de vistoria veicular e comércio de peças de veículos automotores. Em Julgamento: Licitação – Concorrência. Contrato celebrado em 22-10-09. Justificativas apresentadas em decorrência da(s) assinatura(s) de prazo, nos termos do artigo 2º, inciso XIII, da Lei Complementar nº 709/93, pelo Conselheiro Robson Marinho, publicada(s) no D.O.E. de 24-03-12. Advogado(s): Marcos Antonio Gaban Monteiro, Albert Dünkel Bonalumi, Juliana Gaban Monteiro Multini, Alexandre Massarana da Costa e outros. Fiscalizada por: UR-5 – DSF-II. Fiscalização atual: UR-5 – DSF-II. Relatório Em exame, concorrência e o subsequente contrato de concessão real de uso “gratuito” de um terreno da Prefeitura Municipal de Rancharia, para a exploração de serviço de vistoria veicular e comércio de peças de veículos automotores pela empresa Maria Silvana Aleixo de Souza – ME. O contrato foi assinado em 22/10/2009, pelo prazo de 50 anos, tendo como contrapartida, da concessionária ao poder público, a manutenção de 2 empregados registrados. Ao examinar a matéria, a Unidade Regional de Presidente Prudente (UR-5) constatou os seguintes indícios de irregularidades (fls. 126/132): (a) A lei municipal que autorizou a concessão, e o subsequente edital, restringiu a futura outorga a empresas do ramo de vistoria veicular e comércio de peças e acessórios de veículo. O exercício cumulativo das atividades contraria a portaria nº 131/2008, do DENATRAN, TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO GABINETE DO CONSELHEIRO ROBSON MARINHO 2 que condiciona o credenciamento das empresas prestadoras de serviços de vistoria automotiva à comprovação de “sua atuação exclusiva no mercado de vistorias”; e (b) A concessionária, que foi a única licitante participante, descumpriu a exigência de manter em seus quadros 2 funcionários registrados, como atestou a Prefeitura e a própria Fiscalização, sem que fossem tomadas providências. A Prefeitura se manifestou, afirmando a sua boa-fé, já que pretendeu, por intermédio da presente concessão, desenvolver parte de sua “política de incentivo de emprego”, oferecendo às 3 empresas do ramo existentes no município a oportunidade de disputarem, numa licitação, o direito de explorarem referida atividade de inspeção na área concedida (fls. 145152). Chefia de Assessoria Técnica opinou pela irregularidade da licitação e do contrato em exame (fls. 182/184). Na sessão de 11/11/2014, os autos foram retirados de pauta, para vistas e extração de cópias pelos interessados (fls. 191), ficando à disposição para tanto no período de 11/11/2014 a 24/11/2014. Na sequência, a Prefeitura apresentou seus memoriais. É o relatório. gjjTRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO GABINETE DO CONSELHEIRO ROBSON MARINHO 3 Voto TC-000128/005/12 A lei local que autorizou a concessão (Lei Municipal nº 36, de 25/8/2009) expressamente previu: “a concessão do direito real de uso de que trata este artigo, destinar-se-á exclusivamente à instalação de empresa do ramo de vistoria veicular e comércio de peças e acessórios de veículos automotores”. Ocorre que a lei local não está em harmonia com a norma editada pela autoridade federal competente para regular a matéria. Diz o Código de Trânsito Brasileiro: Lei Federal nº 9.503, de 23/9/1997. Art. 124. Para a expedição do novo Certificado de Registro de Veículo serão exigidos os seguintes documentos: (...) XI - comprovante de aprovação de inspeção veicular e de poluentes e ruído, quando for o caso, conforme regulamentações do CONTRAN e do CONAMA. Há, pois, uma competência, outorgada por lei da União (CF, art. 22, XI), ao CONTRAN para regulamentar a inspeção veicular. O CONTRAN, por sua vez, conferiu ao DENATRAN a competência para credenciar as empresas autorizadas a prestar o serviço necessário à inspeção veicular, nos seguintes termos: Resolução nº 282, de 26/6/2008. Art. 1º Na realização das vistorias de regularização e transferência em veículos (...) os órgãos de trânsito, ou empresas pelo DENATRAN credenciadas deverão (...). (negrito meu) O DENATRAN, por sua vez, estabeleceu que: Portaria nº 131, de 23/12/2008. Art. 1º, § 2º As empresas credenciadas deverão comprovar sua atuação exclusiva no mercado de vistorias, mediante certidão emitida pelo órgão competente e cópia do contrato ou estatuto social vigente.TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO GABINETE DO CONSELHEIRO ROBSON MARINHO 4 Art. 2º Os interessados em prestar o serviço de vistoria deverão requerer o seu credenciamento ao DENATRAN. (negrito meu) Portanto, a ideia de conceder uma área pública municipal para a exploração do serviço de vistoria de veículo e do comércio de autopeças, por única e mesma empresa, esbarra na vedação contida pela sobredita Portaria do DENATRAN. Há, assim, um vício de origem no modelo concebido pelo poder público municipal, já que o município não exerce competência para dispor sobre a matéria, e menos ainda para fazê-lo de modo diverso do que diz a regulamentação federal em vigor. Mas ainda que esse aspecto fosse superado, irregularidades mais graves do que essa falha comprometem de qualquer maneira a presente concessão. A começar, a inescusável desídia da empresa concessionária com o cumprimento da única contrapartida que lhe foi imposta – nesse diapasão, equivocado classificar a presente concessão como “gratuita” -, qual seja, a de manter 2 funcionários registrados em seu quadro de pessoal (cláusulas 1.2 e 4.4). Ainda pior do que isso é a omissão da Prefeitura, sem qualquer justificativa, de exercer o seu poder dever de fiscalizar o cumprimento dos termos da concessão. O contrato de concessão firmado entre a Prefeitura e a concessionária foi claro ao estabelecer que “a concessão (...) será rescindida a qualquer tempo (...) se a concessionária (...) deixar de cumprir as obrigações assumidas, em especial quanto à garantia do número ofertado de empregos” (cláusula 3.2, fls. 111). Embora a redação empregada seja deficiente – “número ofertado de empregos”, ao invés de “número de funcionários registrados”1 – a hipótese de rescisão torna-se clara da leitura das cláusulas 1.2 e 4.4 acima referidas, pois a manutenção de 2 funcionários registrados nos quadros da empresa concessionária constitui obrigação contratual inescapável. 1 Abstenho-me de especular se a confusão deu-se de modo intencional ou não.TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO GABINETE DO CONSELHEIRO ROBSON MARINHO 5 Por erro do contrato, não há previsão de sanção outra se não a rescisão, aliás, em nítido descumprimento do art. 55, VII, da Lei 8.666/93, que prevê, como cláusula “necessária” dos contratos públicos, “as penalidades cabíveis”. Após ter sido cientificada do relatório da UR-5, no lugar de comprovar a adoção de providências concretas (p. ex. a imposição de sanção, o ajustamento dos termos do contrato ou mesmo a sua rescisão), a Prefeitura preferiu manifestar-se pela regularidade da matéria, como se nada houvesse de estranho nesse cenário dramático de benevolência com concessionário que recebeu, sem ônus econômico e, frise-se, sem que houvesse disputa na licitação, um bem público para exploração econômica pelo prazo de 50 anos! Por todas essas razões, voto pela irregularidade da licitação e do subsequente contrato. Em face do descumprimento do art. 55, VII, da Lei 8.666/93, e considerando também as demais irregularidades acima identificadas, com base no art. 104, II da Lei Complementar nº 709/93, proponho a aplicação de multa de 170 UFESPs ao ex-prefeito que firmou o instrumento, sr. Alberto César Centeio de Araújo, com envio de ofício pessoal, por A.R., para que recolha o correspondente valor, no prazo de 30 dias (art. 86, LC 709/93). Proponho, ainda, a aplicação do disposto nos incisos XV e XXVII do artigo 2º da Lei Orgânica desta Corte, para que a Prefeitura instaure o correspondente procedimento interno de apuração de responsabilidade pelas irregularidades verificadas. Nesses termos, o prefeito municipal atual, sr. Marcos Slobodticov, deverá, no prazo de 60 dias, apresentar ao Tribunal cópia do ato de instauração da comissão de sindicância, devidamente publicado. É como voto.