segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Caixa Econômica não pode condicionar financiamento de imóveis à aquisição de produtos

O sonho da casa própria nunca ficou tão próximo de ser realizado. Nos últimos meses, os juros baixaram e aumentaram as facilidades para a obtenção de um financiamento imobiliário. Entretanto, os benefícios podem esbarrar em algumas dificuldades: quem procura a Caixa Econômica Federal buscando a aquisição de um imóvel, além de arcar com os encargos do empréstimo, acaba sendo 'orientado' a abrir conta corrente, comprar títulos de capitalização ou adquirir outros serviços oferecidos pela instituição.

Foi o que aconteceu com a dona de casa Renata Freiberger, 25 anos. Para conseguir financiar pela Caixa um apartamento em Santo André, há cerca de um ano e meio, precisou adquirir um título de capitalização no valor de R$ 200, além de abrir uma conta corrente com taxa de manutenção mensal - por meio da qual o banco descontaria as parcelas do empréstimo.
"Disseram que para facilitar o financiamento eu precisava comprar esses produtos. O título eu consegui resgatar depois por R$ 180. Já no caso da conta corrente, tenho que pagar um valor de administração de R$ 21,50. Todo mês, preciso lembrar de depositar o valor do financiamento mais essa taxa. Se você esquece de pagar, eles descontam do seu limite e depois cobram juros", reclama.
O gerente de atendimento Euclides Lanzarin, 45 anos, passou pela mesma situação de Renata ao financiar uma casa em São Bernardo pelo banco federal. Na ocasião, precisou abrir conta corrente e adquirir um seguro de vida de R$ 220. "Ninguém disse que se tratava de obrigação, mas também não explicaram nada. Simplesmente, me deram os papéis para assinar, informando que o custo do seguro seria descontado de uma só vez", recorda.
Lanzarin acabou aceitando a condição imposta, mas discorda da prática. "Isso é errado. Não tenho culpa se o funcionário precisa vender serviços para atingir suas metas", acredita.
Em abril de 2007, quando a analista de monitoração de servidores Dayane Montibeler, 24 anos, financiou um imóvel em São Bernardo também pela Caixa, sabia que poderia pagar as prestações por boleto bancário. Contudo, ela conta que optou pela abertura de conta corrente por receio.
"Eles deixaram bem claro que dariam preferência para analisar e aprovar as solicitações de crédito daqueles que optassem pela abertura de conta. Chegaram a dizer que, se tivessem dez processos para analisar, sendo oito através de conta corrente e dois por boleto, dariam preferência aos com abertura de conta. Ou seja, nos vimos obrigados a abrir a conta para ter o processo aprovado mais rapidamente", indigna-se.
Além da conta corrente com custo de manutenção trimestral de R$ 22, a analista se viu obrigada a contratar seguros de vida para ela e também para o noivo, no valor de R$ 212 cada um. Até aí, a exigência não lhe causou problemas, a não ser por um detalhe que ocorreu um ano depois: os seguros foram renovados automaticamente.
"Ao reclamar, os seguros foram cancelados e o valor foi estornado. No entanto, além de não nos devolverem o valor integral, cobraram juros porque entramos no cheque especial", relembra.
Ação - Para tentar coibir a liberação de financiamento imobiliário vinculado à aquisição de outros serviços, o MPF (Ministério Público Federal) em Chapecó, Santa Catarina, moveu recentemente uma ação civil pública proibindo a Caixa de realizar essa prática na região. Com a decisão, concedida pela Justiça, o banco federal também não poderá fazer qualquer distinção (com respeito à aprovação ou taxação) entre os consumidores que adquiriram e os que não compraram os produtos oferecidos.
No entendimento do MPF/SC, ao impor tais condições para a liberação do empréstimo imobiliário, a instituição financeira estaria realizando venda casada (quando o fornecimento de um produto ou serviço é condicionado à compra de outra mercadoria), prática proibida pelo Código de Defesa do Consumidor.
"Condicionar o empréstimo a outros produtos do banco configura prática abusiva, vedada pelo artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor", afirma Patrícia Caldeira, professora titular de Difusos e Coletivos da Faculdade de Direito de São Bernardo.
A ação civil pública do MPF/SC é restrita à jurisdição da Subseção Judiciária de Chapecó/SC e não vale para todo o território nacional. Entretanto, serve de alerta à população, que pode procurar seus direitos caso se sinta prejudicada pela Caixa ou por qualquer outra instituição financeira.
"Para se proteger dessa prática abusiva, o consumidor pode entrar com ação no Juizado Especial Cível ou reclamar junto aos órgãos de proteção e defesa do consumidor. No Procon, a atuação poderá ser individual ou coletiva, com abertura de processo administrativo sancionatório para aplicação de multa em razão do descumprimento da lei", explica a professora.
O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Santo André, José Sinésio Correia, concorda com Patrícia. "Todas as pessoas que se sentirem prejudicadas podem reclamar. A ação de Santa Catarina abriu um precedente favorável, que pode ser estendido às demais regiões do País", ressalta.
Outro lado - Em nota oficial enviada ao Diário OnLine, a Caixa Econômica Federal, por meio de sua assessoria de imprensa, negou a prática de venda casada. "Como banco comercial, a Caixa tem o direito de oferecer seus produtos aos clientes, da mesma forma que qualquer outro banco, e a apresentação de tais produtos não caracteriza venda casada".
A instituição afirmou ainda que apresentará defesa à ação interposta pelo MPF/SC. "A Caixa evidenciará judicialmente que não pratica venda casada, que atua na concessão de financiamentos imobiliários regidos pelo SFH [Sistema Financeiro da Habitação] em estrito cumprimento da lei e que, na concessão de outras linhas de financiamento imobiliário, não fere qualquer dispositivo legal e normativo, atuando ainda com as menores taxas do mercado", esclarece a nota.