O sonho da casa própria nunca ficou tão próximo de ser realizado. Nos últimos meses, os juros baixaram e aumentaram as facilidades para a obtenção de um financiamento imobiliário. Entretanto, os benefícios podem esbarrar em algumas dificuldades: quem procura a Caixa Econômica Federal buscando a aquisição de um imóvel, além de arcar com os encargos do empréstimo, acaba sendo 'orientado' a abrir conta corrente, comprar títulos de capitalização ou adquirir outros serviços oferecidos pela instituição.
Lanzarin acabou
aceitando a condição imposta, mas discorda da prática. "Isso é errado. Não
tenho culpa se o funcionário precisa vender serviços para atingir suas
metas", acredita.
Em abril de 2007,
quando a analista de monitoração de servidores Dayane Montibeler, 24 anos,
financiou um imóvel em São Bernardo também pela Caixa, sabia que poderia pagar
as prestações por boleto bancário. Contudo, ela conta que optou pela abertura
de conta corrente por receio.
"Eles deixaram
bem claro que dariam preferência para analisar e aprovar as solicitações de
crédito daqueles que optassem pela abertura de conta. Chegaram a dizer que, se
tivessem dez processos para analisar, sendo oito através de conta corrente e
dois por boleto, dariam preferência aos com abertura de conta. Ou seja, nos
vimos obrigados a abrir a conta para ter o processo aprovado mais rapidamente",
indigna-se.
Além da conta corrente
com custo de manutenção trimestral de R$ 22, a analista se viu obrigada a contratar
seguros de vida para ela e também para o noivo, no valor de R$ 212 cada um. Até
aí, a exigência não lhe causou problemas, a não ser por um detalhe que ocorreu
um ano depois: os seguros foram renovados automaticamente.
"Ao reclamar, os
seguros foram cancelados e o valor foi estornado. No entanto, além de não nos
devolverem o valor integral, cobraram juros porque entramos no cheque
especial", relembra.
Ação - Para tentar coibir a liberação de financiamento
imobiliário vinculado à aquisição de outros serviços, o MPF (Ministério Público
Federal) em Chapecó, Santa Catarina, moveu recentemente uma ação civil pública
proibindo a Caixa de realizar essa prática na região. Com a decisão, concedida
pela Justiça, o banco federal também não poderá fazer qualquer distinção (com
respeito à aprovação ou taxação) entre os consumidores que adquiriram e os que
não compraram os produtos oferecidos.
No entendimento do
MPF/SC, ao impor tais condições para a liberação do empréstimo imobiliário, a
instituição financeira estaria realizando venda casada (quando o fornecimento
de um produto ou serviço é condicionado à compra de outra mercadoria), prática
proibida pelo Código de Defesa do Consumidor.
"Condicionar o
empréstimo a outros produtos do banco configura prática abusiva, vedada pelo
artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor", afirma Patrícia Caldeira,
professora titular de Difusos e Coletivos da Faculdade de Direito de São
Bernardo.
A ação civil pública
do MPF/SC é restrita à jurisdição da Subseção Judiciária de Chapecó/SC e não
vale para todo o território nacional. Entretanto, serve de alerta à população,
que pode procurar seus direitos caso se sinta prejudicada pela Caixa ou por
qualquer outra instituição financeira.
"Para se proteger
dessa prática abusiva, o consumidor pode entrar com ação no Juizado Especial
Cível ou reclamar junto aos órgãos de proteção e defesa do consumidor. No
Procon, a atuação poderá ser individual ou coletiva, com abertura de processo
administrativo sancionatório para aplicação de multa em razão do descumprimento
da lei", explica a professora.
O presidente da OAB
(Ordem dos Advogados do Brasil) de Santo André, José Sinésio Correia, concorda
com Patrícia. "Todas as pessoas que se sentirem prejudicadas podem
reclamar. A ação de Santa Catarina abriu um precedente favorável, que pode ser
estendido às demais regiões do País", ressalta.
Outro lado - Em nota oficial enviada ao Diário OnLine, a Caixa
Econômica Federal, por meio de sua assessoria de imprensa, negou a prática de
venda casada. "Como banco comercial, a Caixa tem o direito de oferecer
seus produtos aos clientes, da mesma forma que qualquer outro banco, e a
apresentação de tais produtos não caracteriza venda casada".
A instituição afirmou
ainda que apresentará defesa à ação interposta pelo MPF/SC. "A Caixa
evidenciará judicialmente que não pratica venda casada, que atua na concessão
de financiamentos imobiliários regidos pelo SFH [Sistema Financeiro da
Habitação] em estrito cumprimento da lei e que, na concessão de outras linhas
de financiamento imobiliário, não fere qualquer dispositivo legal e normativo,
atuando ainda com as menores taxas do mercado", esclarece a nota.