A “judicialização” do impeachment, segundo Cardozo, oferece também a possibilidade de cidadãos comuns questionarem o assunto.
O ministro da Justiça,
José Eduardo Cardozo, é o principal articulador da estratégia jurídica de
defesa da presidente Dilma Rousseff. Na manhã desta 5ª feira (3. Dez.2015),
detalhou um pouco como será a “judicialização” do caso.
Em entrevista ao Blog e
ao UOL, Cardozo afirma que haverá “3 vertentes” na defesa a ser feita: 1) a
tese do “desvio de poder” por parte de Eduardo Cunha; 2) o questionamento do
rito processual adotado dentro da Câmara, inclusive no que diz respeito ao
direito de defesa e 3) o mérito da ação de impeachment em si (a tese das
pedaladas fiscais em 2015).
No caso do “desvio de
poder” trata-se de um conceito jurídico segundo o qual um governante não pode
agir de maneira a desviar suas ações para finalidades que não estão estipuladas
em lei.
Ao ter reagido ao
rompimento anunciado por deputados do PT, o presidente da Câmara, Eduardo
Cunha, teria acolhido o pedido de impeachment apenas por “vingança”, diz
Cardozo. O ministro da Justiça, professor de direito, faz até uma comparação
curiosa: “A conduta de Eduardo Cunha me lembra muito a de Jânio Quadros”.
Ele se refere ao
ex-prefeito de São Paulo Jânio Quadros (1917-1992), que comandou a cidade na
década de 1980 e promoveu um aumento do IPTU local em cerca de 2.000%. O então
presidente da Associação Comercial, Abram Szajman, liderou um protesto. “Jânio
então decidiu desapropriar a casa de Abram Szajman para fazer uma creche ou
orfanato –não me lembro exatamente o quê. A Justiça derrubou a medida, pois era
um óbvio desvio de poder”, relata Cardozo.
O governo também ficou
feliz com a frase proferida ontem pelo advogado Miguel Reale Jr., um dos
autores do processo de impeachment acolhido por Eduardo Cunha. “Foi uma
chantagem explícita”, disse Reale.
Segundo o ministro da
Justiça, ainda não está claro quantas ações serão apresentadas ao Supremo
Tribunal federal nem quem exatamente serão os autores. O mais provável é que a
maioria seja de iniciativa de políticos e de partidos governistas.
Nos últimos meses,
Cardozo recebeu uma série de pareceres de advogados renomados –entre outros,
Celso Antônio Bandeira de Mello, Dalmo Dallari, Cláudio Lembo, Fábio Konder
Comparato e Gilberto Bercovici. Flávio Caetano, advogado pessoal de Dilma
Rousseff, tem acompanhado tudo.
A “judicialização” do
impeachment, segundo Cardozo, oferece também a possibilidade de cidadãos comuns
questionarem o assunto.
“O crime de desvio de
poder está na lei que permite ação popular. [lei 4717, Qualquer cidadão pode
processar o presidente da Câmara na primeira instância, pois nesse caso não há
a prerrogativa de foro. Creio que isso também possa acontecer”.
[a lei 4717 diz que “o
desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim
diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de
competência”].
Essa estratégia pode
resultar em uma inundação de processos contra Eduardo Cunha no país inteiro.
A seguir, trechos da entrevista
com o ministro da Justiça:
Como avalia o pedido de impeachment?
Está claro que houve
desvio de poder. O desvio de poder é uma figura clássica da Justiça. Ocorre
quando alguém usa um processo para uma finalidade diferente da qual estabelece
a lei. A frase proferida ontem [2. Dez.2015] por um dos autores do processo de
impeachment, Miguel Reale Jr., é uma confissão do desvio de poder. Ele falou
claramente que Eduardo Cunha praticou chantagem.
[Miguel Reale disse: “Não
foi coincidência que Cunha tenha decidido acolher o impeachment no momento em
que deputados do PT decidiram votar favoravelmente à sua cassação no Conselho
de Ética. Foi uma chantagem explícita, mas Cunha escreveu certo por linhas
tortas“].
Mas Eduardo Cunha não fez tal afirmação…
Só que o desvio de poder
ficou claríssimo nas atitudes dele. Há declarações de Eduardo Cunha ao longo
das últimas semanas. E ele abriu o processo imediatamente após a bancada de
deputados do PT ter anunciado que votaria contra ele no Conselho de Ética. Num
caso em que se tenta apresentar a tese do desvio de poder, o mais difícil é a
prova. A pessoa que pratica tal ato sempre tenta camuflá-lo. Só que Eduardo
Cunha não tomou esses cuidados.
Há jurisprudência formada?
Há farta jurisprudência.
O desvio de poder está muito ligado ao direto francês e temos muitos exemplos
no Brasil. Eu mesmo, quando dou aulas, cito um caso que conheço. Na década de
80, o prefeito de São Paulo era Jânio Quadros [1917-1992]. Ele decidiu aumentar
o IPTU da cidade em uns 2.000%. O então presidente da Associação Comercial,
Abram Szajman, fez muitas críticas e liderou um protesto. Jânio então decidiu
desapropriar a casa de Abram Szajman para fazer uma creche ou orfanato –não me
lembro exatamente o quê. A Justiça derrubou a medida, pois era um óbvio desvio
de poder.
O sr. Está comparando Cunha a Jânio Quadros?
Sim. A conduta de Eduardo
Cunha me lembra muito a de Jânio Quadros nesse caso de desvio de poder. Tenho
segurança de que isso ficará demonstrado na Justiça.
Quais são as linhas de defesa do governo?
O governo vai tratar do
assunto no Congresso. Não está claro ainda se a presidente da República entrará
com uma ação. Isso será decidido ao longo do dia. Mas uma coisa é certa: haverá
farta judicialização desse caso, pois já recebemos informações de que deputados
e partidos pretendem ingressar no Supremo Tribunal Federal com medidas
contestando o pedido de impeachment.
E, nesse caso, argumentando o quê?
Há 3 vertentes
principais. O desvio de poder, como já disse, é uma delas. Outra é o rito processual
adotado dentro da Câmara, inclusive no que diz respeito ao direito de defesa.
E, por fim, o mérito da ação de impeachment em si, que consideramos muito
frágil.
Sobre o rito processual, já tivemos o impeachment de Fernando
Collor e o assunto parece pacificado…
Mas naquela oportunidade
houve pouquíssimo questionamento judicial. A lei é muito antiga, de 1950. Há
espaço para se questionar muita coisa. E o próprio STF já deixou claro numa
decisão recente que o presidente da Câmara não pode inovar em suas decisões.
E o mérito do processo?
Eduardo Cunha rejeitou
dezenas de pedidos de impeachment sobretudo porque todos faziam referências a
fatos anteriores ao mandato atual, o que está correto. No caso do pedido que
ele acolheu, assinado por Hélio Bicudo e por Miguel Reale Jr., há uma farta
lista de acusações se referindo a fatos pretéritos ao atual mandato da
presidente. Falam da compra da refinaria de Pasadena, por exemplo.
Mas citam as pedaladas neste ano de 2015…
Só que nesse caso
trata-se dessas supostas pedaladas fiscais que estão ainda em um parecer
técnico do Tribunal de Contas da União que sequer foi julgado. E é um fato que
trata de um ano que ainda não terminou. As contas do governo de 2015 ainda não
foram analisadas pelo TCU nem muito menos julgadas pelo Congresso. Ou seja, é
de uma fragilidade extrema.
Quem vai entrar com as ações no STF?
O governo não vai
incentivar, mas naturalmente sabemos que isso vai acontecer porque fomos
procurados por deputados e partidos políticos. Cada um tomará conta de suas
ações. Inclusive, cidadãos comuns.
Como assim ‘cidadãos comuns’?
O crime de desvio de
poder está na lei que permite ação popular. Qualquer cidadão pode processar o
presidente da Câmara na primeira instância, pois nesse caso não há a
prerrogativa de foro. Creio que isso também possa acontecer.
O governo incentivará essa atitude?
O governo não vai
incentivar. Estou apenas dizendo que existe essa possibilidade, entre muitas
outras, para se questionar o impeachment proposto no plano judicial. Tenho
segurança que vai ocorrer uma ampla judicialização.
Da redação com Fernando Rodrigues